Não digas nada, acredita só que cheguei faz pouco tempo.
Deixa-me falar-te de tudo o que sei. Passou tanto tempo, ouve-me só e acresecenta um sorriso a esta solicitude branca. Eu não falo muito como vês, nunca falei muito, porque achava inútil. Sabes vou vivendo... e puff...
A confusão não me parecia ultrapassável. Tudo se tornou, ou pelo menos tornar-se-á, o pânico existente, que não nos eleva e tão pouco aclara o que para nós é obscuro. E no entanto, tudo o resto permanece em movimento, fluindo com invariável vigor. Resta-me porém estar atenta. Admito esforçar-me o bastante para conceder à minha vida um caminho necessário e transparente. Apesar de tudo, acabo por não ter só um. Acabo por ter vários. Mas todos me levam invariavelmente ao mesmo destino, que eu, desde cedo, conheço, mesmo sem previamente o saber.
Sinceramente o dramalhão, não faz parte dos meus desígnios, embora eu o queira parecer. Eu soube sempre quem devia amar, o que devia amar e porque devia amar. Só não sabia como.
Assim desconfio que apesar de tudo, o que me vier a suceder no futuro será o resultado de eu querer o que quero, mesmo que não aprecie o que me suceda, mas pela mera circunstância de querer. Porque todos queremos. Não importa o quê.
Não há imagem mais deprimente do que contar o tempo para trás e actuar-lhe um espessissímo fio condutor que nos possa explicar razoavelmente esse inconstante. Nunca convém ser muito explicável, se calhar nem definivel. Durante tempos, vivi em absoluto abcecada com a idéia de me definir rigorosamente. Depois cheguei à feliz conclusão de que isso não era importante. Não era nada importante. A expontaneadade perdia-se inteira em absurdas ruminações. Nunca somos uma só coisa. Que se deve ser uma desordenada colecção de experiências felizes ou infelizes, prováveis ou improváveis, é uma evidência simples que até nem trás muito de novo, e que a vida é um risco, é um pólido lugar comum que não surpreende nem atemoriza, todos nós o sabemos.
Recordo-me, quando me aproximáva, tão apressadamente, dos trinta anos, que concebia essa época como um futuro longinquo e não pensei sequer que ela viesse. Mas queria e muito que ela chegasse. Pergunto-me hoje, se tal desejo, não acertou no longiquo e errou no admirável. Pergunto-me hoje se quero. Às Vezes. Outras vezes expremo-me de entusiasmo por saber que foi cruzada a fronteira. O delirio oxcilante é um pouco patético. No fundo só se trata de uma vago acréscimo de... idade.
Quando se lê, sem uma indespensável moderação, corre-se o risco que "aquele" mundo passe a ser o nosso "único" mundo. Depois, com excesso de sabedoria a nossa liberdade simplifica-se e acabamos por perdê-la. O terreno que se pisa, foge-nos movediço. O que há para ler, não é lido. O que é lido, é mal lido. O que foi lido, espera ser lido outra vez. Nesta correria, o mundo observa-nos com a sua infinita paciência que oscila com batidas cardíacas aceleradas e constipadas que, por vezes, tomamos por escárnio.
Quanto ao meu presente, concluo que o amo, ainda que por vezes o veja enegrecido, até porque vistas bem as coisas nunca o senti assim. Ou senti pouco. Era meu costume cansar-me dele por razões de mimo, esquecendo-me que antes o desejára quando este mais não era que uma segura promessa do tempo. No passado cabia o desdém, no presente um inexplicável langor, no futuro uma espantosa cobiça.
E agora, às vezes, serão as únicas palavras que sei que sei...
O às vezes é mais certo que o correcto.
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